O quarto concreto - uma homenagem ao Bloomsday










Surgiu um novo elemento para sacudir a polêmica em torno do movimento artístico mais discutido dos últimos tempos no Brasil.

Além de Augusto, Haroldo e Décio apareceu um quarto poeta reinvidicando sua participação no movimento: Anfrísio dos Santos.

Maranhense de Codó, dono de uma casa de material de construção em Carapicuíba, Anfrísio afirma que o Manifesto Concreto foi escrito a oito mãos e garante ter coautoria também, entre outros, no célebre poema “Beba Coca-Cola”, do colega Décio.

A comunidade artística ainda se encontra perplexa, pois, para seus pares, o quarto concreto de origem maranhense seria o poeta Ferreira Gullar, não Anfrísio dos Santos.

Procurado por jornalistas da área cultural, o autor de “Poema Sujo” não quis se manifestar alegando que só dará novos depoimentos assim que acertar um novo corte de cabelo diferente do atual “chanel” na altura do pescoço.

Abaixo o depoimento completo de Anfrísio da Silva, o quarto concreto:

Pergunta: Como o senhor tomou contato com o grupo de poetas concretistas de São Paulo?

Anfrísio da Silva:  Eu era assistente de pedreiro e fazia uns bicos numa firma de dedetização. Por acaso, dei de cara com o Décio na Praça da República, na hora do meu almoço. A gente estava dividindo o mesmo banco. Ele estava lendo “Os Ratos”. Vi aquele nome na capa e falei assim: “Ratos? Disso eu entendo”.

Os olhinhos do Décio brilharam. Falou pra mim: “você entende de Dyonélio Machado?! Não posso acreditar! Outro, além de mim, valoriza o verdadeiro Joyce brasileiro!”

Não entendi muito bem aquilo que ele estava falando. Mas aceitei na hora o convite pra fazer um trabalho concreto na casa dele.

P: O senhor tinha ideia do que era Concretismo?

AS: Ideia, ideia assim eu não tinha. Cheguei a pensar que o Décio queria fazer um calçamento novo na casa. E, apesar de estar mexendo mais com barata, formiga e rato, podia muito bem fazer um extra e levantar um dinheirinho reformando a residência do homem.

P: E o que aconteceu quando chegaram à casa de Décio?

AS: Bom, estavam lá os dois irmãos, os Campos. O Décio me apresentou dizendo que eu conhecia o Dyonélio. O Haroldo, largou um livrão que parecia uma Bíblia em cima da mesa, e foi logo me abraçando. O Augusto desligou a vitrola e fez a mesma coisa. Foi quando o Décio falou assim: “tem algum texto teu aí por acaso pra gente fazer uma leitura?” O que eu tinha no bolso era um papel desses de pão, com o pedido do material do calçamento que eu vim escrevendo no ônibus pra mostrar pra eles. Peguei e entreguei o papel todo amarrotado pro Décio.

P: E o que ele fez?

AS: Começou a ler o meu pedido em voz alta. E os outros dois irmãos ouviam, muito quietos, de olhinho fechado. Eu me lembro até hoje: “Simento, arêa, tigolo, maça de pedreiro, duas pá, uma cuié, pedriscu”. Fiquei atrapalhado por ele ler aquela besteirada como se tivesse cantando o “ouviram-do-Ipiranga-às-margens- plácidas”, sabe aquele respeito? Quando ele parou, o Haroldo tomou o papel e botou os olhos em cima foi tempo, mas tudo no maior silêncio. Demorou uns dez minutos pra ler aquele tiquinho de palavra.

P: Haroldo chegou a fazer algum comentário?

AS: Fez não. Passou pro irmão, que deu de ler o papel também. Cheguei a pensar que tinha ofendido eles com o meu palavreado mal ajambrado de trabalhador braçal. Por fim, o Décio pegou o telefone e ligou pra um tal de Cabral lá no Rio de Janeiro. Deu de ler o papel de pão de novo, agora com mais força na voz ainda. Quando desligou, veio e perguntou se eu tinha contato com o Guimarães. Ou com um tal de um conterrâneo meu, do Maranhão - Souza Andrade, se não me falha a memória. Disse a ele que meu contato era só com o Carlos. Quando falei esse nome, os três começaram a berrar  “Drummond! Drummond!” – urravam feito bezerro desmamado na sala. Eu doido pra explicar que o Carlos que eu tratava era o Carlos Pipa, dono da loja de material de construção da Barão do Triunfo, mas ficou por isso mesmo.

P: E os desdobramentos desse primeiro contato? Como Anfrísio dos Santos saiu do trabalho braçal, da vida feita de bicos, para a Alta Poesia?

AS: Bom, depois de uns dias, os três me apresentaram a um mestre-de-obras amigo deles, o Oscar. Prepararam uma comedoria para o homem que não foi mole. Devia ser muito bom mesmo o sujeito. Quando ele entrou na sala, o Augusto disse no pé do meu ouvido: “Anfrísio, esse homem fez uma cidade inteirinha”. Pois bom, com esse eu podia me entender, era do meu ramo. Quando estavam na sobremesa, arranquei do bolso outra lista de material de construção e li pro Oscar. Dessa vez eu mesmo e bem alto: “Argamaça! Baldrame! Asso! Têia! Pedra mineira!”. Assim foi. Acabou que o mestre-de-obras me chamou de um nome que até hoje eu não sei o que é: “proletário”. Uma coisa assim. E, na hora, me convidou para entrar no Partido dele.

P: E o senhor aceitou?

AS: Ora se aceitei. Vou ficar de fora de um Partido que só tem pedreiro como eu? E fiz muito bem. Um ano depois, eu estava lá na Rússia declamando lista de material de construção e o povo batendo palma. Foi aí que fiquei conhecido como poeta concreto pra valer.

P: É verdade que o senhor é coautor do poema "Beba Coca-Coca"?

AS: Sim, é meu também.

P: Explique melhor a sua versão.

AS: Eu gostava de Grapetti, um refrigerante que tinha naquela época. Eu chegava no boteco perto da casa do Décio e dizia pro português: "quem bebe Grapetti, repete". Todo dia eu dizia aquilo. E o povo ria de mim. Um dia eu vi o Décio, concentrado, escrevendo sobre a Coca-Cola num papel. Eu perguntei assim: "quem bebe coca-cola, repete?". Ele riu assim e falou: "obrigado, Anfrísio, era essa repetição que faltava no poema".  Por isso eu me considero dono da ideia junto com ele.

P: E como explicar esse seu sumiço de tantos anos e o porquê da sua opção de montar uma loja de material de construção em Carapicuíba?

AS: Depois que voltei da Rússia começaram a chamar o Oscar de um tal de stalinista. Não conhecia aquele nome, mas devia ser coisa ruim. No dia que passaram a me chamar desse nome também foi que eu vi. Vinha o povo com as pedras na mão, me chamando dessa coisa e jogando a pedregulhada por cima. Foi aí que me desgostei e tomei a decisão de mudar de vida.

P: E como foi essa mudança?

AS: Eu apanhava as pedras que jogavam em mim, botava numa caçamba e vendia pras obras lá da periferia. Com o tempo, fui juntando tijolo e cimento. Logo estava com a loja montada.

P: O senhor conhece Charles Sanders Pierce?

AS: Não.

P: Ezra Pound?

AS: Não.

P: T.S. Eliot?

AS: Conheço não senhor.

P: E como faz Literatura?

AS: Eu não faço Literatura, faço concreto.

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