Breve história da cueca


Na História do vestuário, a roupa de baixo masculina é um meio termo entre o papel principal e o secundário. As cuecas, por assim dizer, são uma espécie de Golbery do Couto e Silva das vestimentas: uma eminência parda. Perto de um paletó, uma calça ou mesmo uma reles gravata, elas aparentam ter importância menor. Mas sem sua presença, com toda certeza, nenhum homem poderia declarar-se pleno.
Poucos sabem, contudo, que esse singelo artefato acompanha as partes pudendas masculinas há bem mais de cinco mil anos.
O primeiro registro de algo cobrindo nosso baixo ventre data de 3.300 a.C.
E foi encontrado nos Alpes protegendo as vergonhas do polêmico homem de gelo, Ötzi. Ao que tudo indica, o calçãozinho de couro trajado pelo predador pré-histórico ainda era um protótipo frágil — literalmente uma “obra aberta” — visto que há rumores de que foi encontrado esperma em seu proprietário.
Mesmo com esse início atabalhoado, o destino da assim chamada “roupa de baixo” seria o franco desenvolvimento tecnológico. E o Antigo Egito foi quem deu a primeira resposta efetiva criando para o rei Tut um longo pedaço de linho moldado como um triângulo isósceles e cordas que o sustentavam.
Flanar pelo deserto com um pedaço de pano duro encordoado no meio das reentrâncias explica muito as pinturas do período. Aqueles nobres e sacerdotes, todos de perfil, com uma expressão de claro constrangimento, próximo da dor.
Independente de mais esse percalço de ordem técnica, estava nascendo ali uma peça cabal do “underwear” masculino que, séculos depois, chegaria quase inalterada aos muros da Galileia.
Ninguém menos que o Rei dos Reis, numa das muitas versões retratadas de sua crucificação, usava uma variação das tais cuecas egípcias. Infelizmente, os Cruzados melaram um pouco essa história. Acabaram encomendando a pintura de quadros do Homem de Nazaré trajando uma sunga na forma de bandeira, semelhante à sua heráldica. O que, cá entre nós, seria o equivalente ao mau gosto de retratar, nos dias de hoje, Jesus Cristo na cruz usando uma zorba.
De todo modo, a evolução das ceroulas seguiria célere por séculos e séculos. Até chegarmos à Grécia Antiga. Independente de todos as suas conquistas sócio-político-culturais, sem muita explicação a roupa de baixo nunca esteve tão por baixo quanto na terra de Homero.
Tudo culpa dos Jogos Olímpicos. Ali, na velha Acrópole, os vaidosos atletas helenos competiam — para horror dos conservadores egípcios e persas — em lutas na lama, completamente pelados. Aventou-se que a prática tinha a ver com os ritos de entrada na masculinidade dos jovens efebos. Porém, uma hipótese ainda mais ancestral garante que tudo ocorreu porque um corredor perdeu sua sunga durante um “sprint” mais vigoroso. Todos os outros competidores da Maratona, nesse instante, resolveram fazer o mesmo, passando a correr nus.
Aristóteles e Sófocles devem ter admirado tanto essa versão da Maratona que seus textos enaltecendo o novo modismo esportivo influenciaram os machos gregos, que começaram a criar o Tifão solto. O curioso é que, mesmo em tempos bem mais contemporâneos, pudemos assistir um paralelismo com esse movimento trunkless heleno. A Escócia do kilt é o mais representativo deles. Para ser um verdadeiro escocês, diz a lenda, é preciso não envergar nada por debaixo do saiote xadrez. A ponto do respeitado “Scottish Official Board of Highland Dancing” escrever em seus anais que as roupas de baixo aceitáveis para os homens que trajam o kilt nas práticas de dança e/ou esportivas poderiam ser as cuecas, “desde que em tom escuro e nunca branco”.
Mesmo com tantas regras rígidas, o século XX chegou para tirar as cuecas do limbo. E os “shorts íntimos” foram seu ponto mais alto. O underwear passou a ser fabricado com tecidos elásticos e ficou bem mais confortável.
Inicialmente, as cuecas “samba-canção” tornaram-se muito populares.
Mas nas décadas seguintes, a lingerie masculina evoluiu não se pautando apenas pela tradicional slip, mas aceitando o calção de malha e absorvendo derivados do esporte, como os modelos ciclista, boxer e shorts.
Agora, diante de tudo isso, o que esperar do futuro da roupa íntima masculina?
Moda é algo abstrato, mas o século XXI parece convergir para um fato: as peças de roupa mais simples vão ganhando uma dimensão cada vez mais icônica. E o fato não é uma completa novidade.
Já à época de Henrique VIII, o underwear assumiu algo inédito. O tapa-sexo, abaixo daquelas conhecidas bermudas sanfonadas, foi ampliado em uma protuberância que valorizava a forma do órgão sexual masculino, simbolizando o poder do falo seiscentista.
Hoje, com os garotos adolescentes usando suas lingeries da grife Calvin Klein bem abaixo do rêgo nos perguntamos: estariam as cuecas virando t-shirts e saindo da categoria under para a overwear?
Nem Glorinha Kalil, em seus melhores momentos, saberia responder tão intrincada questão.
A certeza que nos une é ainda a de que, sem cueca, não há solução. Nem para mim, nem para você, nem para o Ötzi.

(Bravo!, 4.4.17)

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